Compra da Amil saiu cara para a United Health
Três anos atrás, a United Health pagou 10 bilhões de reais pela Amil.
Parecia caro. Agora, com a Amil no vermelho e com custos em alta,
parece mais caro ainda
Por Lucas Amorim
São Pdaulo — A compra de uma empresa está longe e ser uma ciência exata.
É da natureza humana: quem vende sempre acha que seu negócio vale mais do
que o comprador está disposto a pagar. Para chegar a um preço que agrade aos
dois lados, uma infinidade de variáveis entra na conta — desde dívida e geração
de caixa até o potencial de expansão do negócio com os novos donos.Só mesmo o
tempo pode mostrar se o preço pago foi alto ou baixo. Em outubro de 2012,
quando a United Health, maior operadora de saúde dos Estados Unidos, assinou
um cheque de 10 bilhões de reais para comprar a Amil, líder do mercado
brasileiro, o preço pareceu salgado — pelo menos levando-se em conta
critérios como faturamento, lucro e dívida da Amil.Mas como os americanos
eram reconhecidos pela rigorosa gestão de custos e pela aplicação de
tecnologia de ponta na saúde, imaginava-se que eles mostrariam logo ao
mercado que todos aqueles bilhões haviam valido a pena. Mas, passados
três anos, o preço pago parece mais salgado do que nunca. A empresa que
os americanos compraram do médico Edson de Godoy Bueno era líder do
mercado de planos de saúde no Brasil e fechava seu balanço no azul. De
lá para cá, começou a perder dinheiro. Em 2014, teve prejuízo de 259
milhões de reais. O faturamento cresceu 64% em dois anos, para 15 bilhões
de reais, mas não o suficiente para compensar a disparada nos custos dos
serviços.As despesas médicas e hospitalares, por exemplo, passaram de 6,9
bilhões para 12,3 bilhões de 2012 a 2014. No início de 2015, a Amil perdeu a
liderança no mercado de planos de saúde para a Bradesco Saúde — são 4
milhões de clientes de um lado e 4,4 milhões de outro. Em qualquer aquisição,
leva tempo até os novos controladores entenderem o negócio e começar a
deixar sua marca.Mas na Amil os próprios executivos reconhecem que as
coisas não saíram dentro do planejado. “Claro que queríamos ter resultados
melhores”, diz Erwin Kleuser, diretor de planejamento da Amil. “Mas estamos
trabalhando para voltar ao azul já neste ano.” Edson Bueno, que continua na
presidência da Amil, não deu entrevista.As coisas não saíram conforme o
planejado pela United Health, em grande medida porque o Brasil não ajudou.
A inflação médica, que inclui todos os gastos com produtos e serviços de saúde,
cresceu 14,5% em 2013, 16% em 2014 e deverá avançar outros 18% em 2015.
É uma das maiores taxas do mundo, puxada pelo aumento no preço dos
tratamentos e também por desvios lamentavelmente comuns no mercado
brasileiro — desde serviços cobrados e não realizados até equipamentos
superfaturados.Isso, claro, afeta a rentabilidade das operadoras. Na média,
a sinistralidade (que mede a relação entre custos e receitas) do setor passou
de 75% em 2010 para mais de 80% em 2014. A Agência Nacional de Saúde
Suplementar ainda encurtou, em 2011, o prazo máximo para agendamento de
consultas, de 30 para sete dias.Isso obrigou as empresas a aumentar sua
estrutura própria e a acelerar os convênios com hospitais e clínicas particulares.
Somado a tudo isso, a retração da economia dificulta o repasse de custos a
clientes e está levando empresas a trocar os planos mais conceituados, como
os da Amil, por concorrentes mais em conta.Mas, Brasil à parte, a United Health
encontrou uma empresa que precisava de muitos ajustes. Para abrir vantagem
da concorrência, a Amil passou, segundo investidores e ex-executivos, a ser
menos rigorosa na assinatura de novos contratos e nos reajustes de clientes
antigos. “A Amil que a United Health assumiu tinha a carteira inchada.Estava
preocupada em vender, e não em tomar decisões difíceis”, diz um ex-diretor.
“Quando o mercado virou, a empresa foi pega de surpresa.” A primeira medida
dos novos controladores foi passar um pente-fino na carteira. Alguns deles
receberam propostas de reajuste que chegavam a 70%. Quem não aceitou os
novos valores teve o contrato encerrado — um exemplo é a rede de
supermercados Pão de Açúcar, que trocou a Amil pela Intermédica.“Não
aceitamos contratos deficitários para ganhar escala”, diz Erwin Kleuser. Nos
últimos 12 meses a Amil perdeu 300 000 clientes — o que ajudou na perda
da liderança para a Bradesco Saúde. Uma das empresas que mais se
aproveitaram da nova política da Amil foi a cearense Hapvida, que conseguiu
dobrar de tamanho em três anos, chegando a 2 milhões de clientes.A Amil
também teve mais trabalho do que o previsto para implementar um sistema
integrado que gerencia o relacionamento com os hospitais. O desafio é
gigantesco. Depois de dezenas de aquisições, a Amil chegou a ter 32 sistemas,
em 2007, e vem enxugando a estrutura desde então. Com a entrada da United
Health, o objetivo passou a ser não haver mais nenhuma cobrança indevida por
parte dos hospitais e das clínicas.Para isso, a Amil implementou um formulário
eletrônico superdetalhado. Os dados de todos os procedimentos e de todos os
pacientes poderiam ser acessados por todos os hospitais próprios e credenciados.
A ideia era ganhar agilidade e evitar despesas desnecessárias. Mas, por enquanto,
a novidade atrapalha mais do que ajuda.Dos 4 milhões de guias médicas que a
Amil recebe por mês, 40% são devolvidos por algum problema no preenchimento.
Segundo a Amil, apenas 4% dessas guias têm o pagamento recusado. Mas clientes
ouvidos por EXAME dizem que a simples devolução de um formulário já é um
transtorno.Nesses casos, pagamentos que, segundo a Amil, levariam em média 30
dias passam a ser feitos em até cinco meses — o que desgasta a relação com
hospitais e levantana rede credenciada suspeitas de que as devoluções são
incentivadas para ajudar no fluxo de caixa da companhia. A Amil reconhece que a
implantação do sistema está sendo mais difícil do que previsto.Para recuperar o
espaço, a rentabilidade e parte da credibilidade perdidas, a Amil está ampliando
seus investimentos. Em 2014, a empresa investiu o volume recorde de 1 bilhão
de reais. Inaugurou o maior complexo hospitalar do país, o Americas Medical City,
na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro. E comprou hospitais em Fortaleza e em
cinco cidades de São Paulo.A ideia é continuar aumentando a rede própria,
especialmente em regiões com menos opções de convênio e em tratamentos de
casos mais complexos, como câncer, acidentes vasculares e problemas
cardiológicos. Como os custos de tratamento dessas doenças são totalmente
imprevisíveis, a Amil avalia que é vantagem fazer tudo na própria rede.Neste ano,
prevê inaugurar um hospital especializado em cardiologia, em São Paulo. No início
do ano, já havia comprado um Centro Oncológico Integrado no Rio de Janeiro. No
total, a Amil já tem 31 hospitais no Brasil, quatro a mais do que a rede de hospitais
D’Or, do cardiologista Jorge Moll Filho, avaliada recentemente em 18 bilhões de
reais.Para segurar os custos, a Amil também começou a monitorar mais de perto
um grupo de 40 000 clientes considerados doentes crônicos — a ideia é incentivá-los
a fazer check-ups e exames preventivos para evitar gastos desnecessários. Nos
primeiros seis meses deste ano, o custo de internação desses pacientes caiu 40%
em relação a 2014.A United Health aposta que seu maior diferencial para conquistar
clientes vai ser o uso científico dos dados. Como no caso dos doentes crônicos,
quer aproveitar a experiência acumulada nos Estados Unidos para melhorar o
tratamento aqui no Brasil. A empresa lançou neste ano um aplicativo para os
pacientes localizarem o hospital credenciado mais próximo.Implantou também
biometria em seus hospitais para agilizar o cadastro — não é mais necessário
passar pela burocracia de dizer o nome e esperar o atendente acessar o
histórico. O agendamento de consultas, que antes precisava ser feito por
telefone, agora pode ser online. Todas essas novidades foram importadas
da Optum, empresa de tecnologia da United Health, que sozinha fatura 45
bilhões de dólares por ano. “Uma base de dados de qualidade vai ser cada
vez mais importantepara o setor. E ninguém está investindo tanto quanto nós”,
diz Antônio Jorge Kropf, diretor institucional da Amil.O desempenho da United
Health à frente da Amil ganha especial relevância porque, em janeiro, o governo
liberou a entrada de investidores estrangeiros no mercado de hospitais do Brasil
(como a United opera os próprios hospitais, não enfrentava essalimitação).
Automaticamente, redes como a D’Or entraram no radar de investidores e de
grandes grupos internacionais.O potencial do mercado é enorme. Mas, para
estrangeiros toparem o desafio de investir por aqui, seus riscos não podem ser
ainda maiores. A United Health tomou um choque de Brasil. Agora tem muita
gente querendo saber como será sua recuperação.
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