02/03/2022
Lucas Erichsen sentia-se
triste. Ele estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), do Hospital
Universitário Cajuru, em Curitiba (PR), onde se viu novamente isolado e
distante de sua rotina. O primeiro internamento havia sido em 2017, após sofrer
um acidente vascular cerebral (AVC). Três anos depois, um aneurisma e uma
pneumonia o fizeram retornar ao hospital para receber cuidados médicos. Mais uma
vez, todos os seus planos foram suspensos e ele deu início ao período mais
difícil: a luta pela vida.
Mas o sorriso de Lucas, de 22 anos, voltou a estar estampado no
rosto após ser convidado a mergulhar em um novo universo. “Ali tudo era
possível, desde andar de carro até pilotar um helicóptero”, conta. A
experiência vivida pelo jovem não foi magia nem alucinação. Foi, sim, parte do
tratamento do fisioterapeuta Rafael Cavalli, que faz uso de óculos de realidade
virtual (RV) no atendimento a pacientes do hospital 100% Sistema Único de Saúde
(SUS) de Curitiba. “A ferramenta ajuda a tornar as sessões de reabilitação mais
divertidas e eficazes, auxiliando pacientes com limitações motoras na
recuperação”, explica o fisioterapeuta.
De uns tempos para cá, a realidade virtual vem ganhando espaço
no cotidiano. São computadores, videogames, óculos especiais e outros
dispositivos que têm como principal proposta fazer com que o indivíduo se sinta
imerso em uma espécie de existência fictícia. Não é de estranhar que essas ferramentas
invadam os corredores de hospitais, consultórios e laboratórios. “Os óculos de
RV podem ser usados para ajudar na locomoção de pacientes com mal de Parkinson,
na fisioterapia de quem sofreu derrame cerebral e para amenizar os sintomas da
depressão, por exemplo”, detalha Rafael Cavalli.
O que as pesquisas dizem
Inicialmente desenvolvida para o entretenimento, a realidade
virtual tem sido testada no tratamento de diversos problemas de saúde, como o
estresse pós-traumático. A primeira utilização da tecnologia para esse fim foi
em 1997, quando pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Georgia, nos
Estados Unidos, realizaram um estudo com 10 veteranos de guerra traumatizados e
que não haviam conseguido melhora pelas terapias convencionais. O programa,
chamado Vietnã Virtual, expunha os ex-soldados a situações realistas que eles
haviam vivenciado décadas antes na guerra.
Em um espaço seguro, controlado e com o acompanhamento de um
profissional ao lado, a RV os levava de volta às selvas vietnamitas. Enquanto o
terapeuta manipulava o software e intensificava os sons de batalha, os
pacientes eram convidados a narrar seus traumas. O tratamento durou um mês e,
no fim desse período, os 10 voluntários demonstraram melhora no quadro. A
partir daí, foram iniciados mais testes, com número maior de participantes,
tratados nos mais diversos cenários que simulavam situações distintas.
Logo, a realidade virtual se mostrou ser mais do que apenas uma
ferramenta descolada para transportar o usuário para outros cenários. De acordo
com pesquisa feita pelo hospital americano Cedar-Sinai, publicada no periódico JMIR
Mental Health, a tecnologia também contribui para diminuir dores de
pacientes. Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores contaram com a ajuda
de 100 pacientes diagnosticados com dor nível 3, em uma escala de 0 a 10.
Metade deles usou óculos de realidade virtual e os outros 50 pacientes
assistiram à televisão, ambos com cenas relaxantes. Os resultados mostraram que
aqueles que usaram os óculos tiveram uma queda média de 24% na escala de dor,
já para quem assistiu na tela 3D a dor diminuiu apenas 13%.
Além da dor, a RV vem sendo minuciosamente estudada como um
moderno instrumento de apoio à prática fisioterapêutica, podendo ser aplicada
de múltiplas formas. Recentemente, pesquisadores da Universidade de São Paulo
(USP) concluíram que o uso da realidade virtual provoca níveis leves e
moderados de atividade física em pacientes da UTI. Durante as 100 sessões de
fisioterapia monitoradas na pesquisa, os pacientes internados nas unidades do
Departamento de Emergência do Instituto Central do Hospital das Clínicas
atingiram grau leve de atividade em 59% da duração das sessões, e 38% de nível
moderado de atividade.
Tecnologia que humaniza
“Não estou atendendo bem um paciente pelo que ele tem, mas pelo
que ele é”. A frase do fisioterapeuta Rafael Cavalli explica a importância de
iniciativas inovadoras dentro do SUS. No Hospital Universitário Cajuru, o
tratamento com óculos de realidade virtual permite ouvir, oferecer conforto e
compreender as opiniões dos pacientes. Longe de perder o protagonismo no
processo de reabilitação, os profissionais de saúde passam a atuar como
supervisores de todo processo. “Se fosse eu internado lá, será que eu ia gostar
de receber apenas um tratamento padrão? A realidade virtual vem nesse sentido,
de personalizar e humanizar o atendimento”, relata o fisioterapeuta.
O objetivo do tratamento de reabilitação é estimular os
movimentos musculares de modo que o paciente crie uma memória motora. É nesse contexto,
então, que entra a realidade virtual. Uma ferramenta inovadora na fisioterapia
e que tem sido utilizada na avaliação e reabilitação de pessoas com distúrbios
do movimento, do equilíbrio postural e da marcha. “Imagine um paciente que
perdeu movimentos de determinadas partes do corpo e precisa se submeter à
fisioterapia. E se esses exercícios pudessem ser facilitados com o uso de
cenários de realidade virtual?”, questiona o fisioterapeuta.
É por essa razão que a realidade virtual já está sendo utilizada
como parte do tratamento para alguns pacientes em reabilitação, como o Lucas
Erichsen, sendo uma maneira mais lúdica de aplicar as atividades. “O Lucas é um
paciente jovem que estava há três meses internado no hospital. Após uma
conversa, descobri que ele gostava de corrida, música eletrônica e aviação. A
partir disso montei um vídeo que se encaixasse naquilo e o resultado foi
surpreendente”, complementa Rafael.
A humanização no tratamento devolve esperança para pacientes e
permite que eles voltem a sonhar. Com um acompanhamento mais próximo e
especializado, é possível reduzir o sofrimento e proporcionar um tratamento
mais digno. “Foi bom receber esse carinho durante a internação no hospital. O
tratamento me ajudou a evoluir e sair da depressão”, revela Lucas.
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