14/12/2021
Alguns fatores têm
contribuído para o aumento do número de empresas gestoras de hospitais, abrindo
capital com elevados múltiplos de avaliação, culminando numa corrida pela
consolidação do setor. Fatores macro como o aumento da expectativa de vida, o
aumento da renda média familiar, o fraco serviço e leitos insuficientes do SUS,
entre outros, contribuem para a atratividade desse mercado, que tem como
principais players listados em bolsa a Rede D’Or,
Mater Dei, e Kora Saúde. Interessante notar que o Brasil possui 2,4 médicos por
mil habitantes, mesma taxa do Japão e próxima dos Estados Unidos (2,6), Canadá
(2,7) e Reino Unido (2,8), mas ainda ocupa a 37ª posição no que tange aos
gastos per capita na área de saúde, gap que espero ser
estreitado nos próximos anos.
As empresas atuantes nesse segmento foram, em sua maioria,
formadas por médicos que ao longo de décadas geriram as instituições como
braços de suas práticas médicas, de forma que a profissionalização em geral foi
tardia. É bastante comum encontrar hospitais, por exemplo, constituídos por
sociedades de dezenas de médicos, com baixas margens operacionais, elevadas
dívidas e passivos fiscais, enquanto as receitas e dividendos são mantidos nas
pessoas físicas desses profissionais. Isso não significa que o negócio em si é
ruim, mas apenas mal gerido. Isso é um prato cheio para empresas estruturadas
realizarem aquisições, reestruturarem operações e capturarem um valor grande
deixado na mesa pelos sócios antigos.
A fragmentação e ausência de gestão profissional (em escala
adequada) também é uma tese interessante para fundos de private
equity entrando no setor objetivando consolidação, como o caso
da Athena Saúde do Pátria, fundada em 2017 com a aquisição do Grupo Med Imagem
no Piauí, e uma série de aquisições desde então, cujo IPO (almejando R$ 2,5
bilhões de captação) que deveria ocorrer esse ano foi postergado para um futuro
não muito distante.
A Rede D’Or (8.788 leitos), com IPO de R$ 11,4 bilhões (dez/20),
realizou 17 aquisições desde 2010, e aparece como líder no setor, com receita
bruta dos últimos 12 meses (base 2T/21) de R$ 20,1 bilhões (R$ 2,3 milhões/
ano/ leito) e EBITDA de R$ 5,2 bilhões (25,7%), com dívida líquida equivalente
a 1,7x seu EBITDA.
A Mater Dei (646 leitos), IPO de R$ 1,4 bilhões (mai/21),
iniciou sua estratégia de aquisições em julho/21 com a aquisição do Grupo Porto
Dias (maior rede privada de hospitais da região Norte), por R$ 1,1 bilhões (R$
800 milhões pagos com caixa). A Mater Dei teve nos últimos 12 meses (base
2T/21) de receita bruta de R$ 965 milhões (R$ 1,5 milhões/ano/leito) e EBITDA
de R$ 249 milhões (25,8%), e em junho tinha caixa líquido de R$ 1,1 bilhões, o
que deve reduzir para R$ 300 milhões com aquisição recente.
A Kora Saúde (1.096 leitos), que já havia adquirido 2 operações
entre fevereiro e julho/2021, realizou seu IPO de R$ 770 milhões (ago/21) e
anunciou as primeiras aquisições, ainda que tímidas, do hospital são Mateus em
Fortaleza e do Instituto de Neurologia de Goiânia. A Kora teve nos últimos 12
meses (base 2T/21) Receita Bruta de de R$ 891 milhões (R$ 810 mil/ ano/ leito)
e EBITDA de R$ 167 milhões (18,7%), e em junho/21 tinha dívida líquida
equivalente a 10x seu EBITDA, alavancagem considerável que, considerando os
recursos do IPO, caiu para 5,7x.
Quando olhamos para o Enterprise Value (valor
das ações mais dívida líquida), temos a Rede D’Or avaliada em 28x EBITDA (R$
16,4 milhões/leito), a Mater Dei avaliada em 26x EBITDA (R$ 10,1 milhões/leito)
e a Kora avaliada em 40x EBITDA (R$ 6,1 milhões/leito). As avaliações (R$/leito)
das empresas listadas superam múltiplas vezes o valor de aquisição por leito
das empresas adquiridas, que em média, analisando as principais aquisições do
setor desde 2010, foi de R$ 1,5 milhões por leito. A tese de consolidação
parece fazer sentido, uma vez que, além dos benefícios da diluição de custos e
ganhos de sinergia, tem como vantagem a arbitragem de múltiplos (comprar barato
e “vender” caro). Os elevados múltiplos das listadas carregam uma expectativa
do mercado, de aumento substancial do fluxo de caixa livre nos próximos anos,
que precisa ser comprovado na prática, com a entrega de retornos sobre o
capital investido pelos acionistas.
Comparando as 3 empresas, alguns pontos me chamam a atenção: (i)
elevada alavancagem da Kora, que limita sua capacidade de crescimento com
dívida. O crescimento via aquisição precisaria ser financiado com equity num
possível follow
on (nova emissão de ações), entretanto, o valuation da
empresa já está consideravelmente superior às demais comparáveis, o que provavelmente
forcaria uma captação com diluição maior dos acionistas atuais, ainda, sua
Receita e EBITDA por leito são bem menores do que seus comparáveis; (ii) apesar
de ser 20x maior que a Mater Dei, e possuir receita por leito também maior, a
Rede D’Or tem EBITDA/Receita Bruta ligeiramente menor, o que me leva a
conclusão que podem existir ainda sinergias a serem capturadas pela Rede D’Or
em suas aquisições; e (iii) a Mater Dei possui caixa líquido, e possibilidade
de alavancagem saudável, ou seja cerca de R$ 1,0 bilhão adicionais que lhe
permitiriam adquirir cerca de 700 leitos adicionais (considerando os 388 leitos
adquiridos recentemente, a empresa aumentaria em 157% seu número de leitos),
que, considerando o “spread” entre o múltiplo atual e o múltiplo
médio de aquisição do setor, podem gerar valor interessante.
Saliento alguns pontos de cautela: (i) os múltiplos de avaliação
por leito adquirido tenderão a aumentar no futuro tornando as aquisições mais
caras, (ii) os desafios da integração/ consolidação de operações, que não são
fáceis, portanto, considerar com parcimônia os ganhos de sinergia; e (iii)
levar em conta que o ano de 2021 foi favorável aos operadores hospitalares,
dada a 2ª onda do Covid. Houve melhora dos resultados de curto prazo. Assim, assim
recomendo uma análise mais detalhada, desconsiderando o efeito não-recorrente,
para determinação do um fluxo de caixa de longo prazo, dado que o lucro por
leito pode cair quando comparado com os últimos 12 meses. Note que os
resultados das operadoras de planos de saúde (que são a contraparte dos
hospitais), como Hapvida/GDNI/Bradesco/Sul América, tiveram queda abrupta nos
lucros dos no mesmo período.
A presente análise foi realizada com informações disponíveis
publicamente, não sendo recomendação de aquisição ou investimento. Avaliações
bem mais aprofundadas se fazem necessárias afim de tomadas de decisão.
Estevão Seccatto Rocha é
professor de Turnaround na FIA Business School. Engenheiro naval (Poli/USP),
extensão em economia (Harvard), finanças e marketing (FEA/USP), tecnologia
(Singularty University), mestrando (University of Liverpool). Foi head global
de M&A da Atento (NYSE), reestruturador de empresas pela KPMG e IVIX ,
diretor da G4S (LSE) e associado no private equity Artesia. Assessorou mais de
uma centena de empresas
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