23/12/2021
O Hospital Moinhos de Vento,
de Porto Alegre (RS), larga na frente mais uma vez com a realização de um
procedimento cardíaco inédito. O Serviço de Pediatria conduziu o primeiro
implante de uma valva Edwards em posição pulmonar nativa realizado no Rio Grande
do Sul, e o quarto do país. O paciente, Enzo Lisboa Bernardo, de 10 anos,
possuía Tetralogia de Fallot, uma condição rara causada por uma combinação de
quatro defeitos cardíacos presentes no nascimento.
No final do ano passado, a instituição protagonizou o primeiro
implante de valva pulmonar bilateral do Brasil em outra criança, também com dez
anos. Segundo o cardiologista intervencionista do Núcleo de Cardiopatias
Congênitas, João Luiz Langer Manica, os pacientes possuem características muito
comuns. “No primeiro ano de vida, eles foram submetidos a uma cirurgia para
ampliar a artéria pulmonar, que é estreita e obstruída, e retiraram a válvula
pulmonar. Isso, aparentemente, não provocava outros sintomas”, explicou.
Porém, estudos realizados nos últimos 20 a 30 anos comprovaram
que o fato desses pacientes não possuírem uma válvula pulmonar acaba
sobrecarregando o coração. Os meninos ficaram com suas capacidades físicas
limitadas, com dilatação do órgão e predisposição a arritmias, inclusive
fatais, morte súbita e cansaço progressivo.
Enzo já tinha passado por cirurgia anterior devido a
intercorrências e enfrentou um pós-operatório muito traumático: teve parada
cardíaca, necessidade de implante de marcapasso e infecção. O histórico
representava uma contraindicação para nova cirurgia. Diante desse quadro,
Manica optou pelo implante de uma valva Edwards em posição pulmonar nativa. O
procedimento foi realizado após reconstrução da artéria pulmonar com stents,
também implantados com cateterismo. A opção é amplamente difundida como uso da
válvula aórtica.
De acordo com o cirurgião, os benefícios da técnica são
superiores. “Em uma cirurgia, nós temos toratocomia — operação em que a parede
torácica é aberta para visualizar os órgãos internos —, parada circulatória com
o coração parando de bater e com o sangue correndo em uma máquina e, quando o
órgão volta a bater, ele percebe esse sangue como uma reação inflamatória”,
enumera o cardiologista. Além disso, o pós-operatório é prolongado. “Esses
pacientes não ficam menos de sete a dez dias internados, com drenos no coração,
maior risco de infecção e necessidade de marcapasso, além de dor”, alerta.
A expectativa com o implante da válvula em Enzo é que o coração
volte ao seu tamanho normal, diminua a sobrecarga que ele sofre e o risco de
arritmias fatais e de morte súbita seja diminuído de forma importante, ou até
abolido. “Está comprovado que os pacientes que permanecem sem a válvula por
mais de duas décadas têm uma expectativa de vida menor, sofrem de arritmias
atriais e ventriculares, que são fatais, têm cansaço muito maior e redução
importante da capacidade física”, informa. O especialista observa ainda que, há
três anos, esse tipo de procedimento era “impensável” no país. “Estamos
promovendo o que há de melhor e mais complexo no campo da cardiologia
pediátrica, servindo como hospital referência no setor”, acrescenta.
Enzo ficou internado por 48h apenas por precaução, pois ele já
estava bem e apto para alta hospitalar em 24h. Segundo o chefe do Serviço de
Pediatria, João Ronaldo Krauzer, apostar em procedimentos percutâneos — como é
o caso do cateterismo como uma possibilidade não-invasiva, minimiza muito o
risco e facilita na recuperação e no tempo de internação hospitalar. “Com isso,
conseguimos atender casos mais complexos, diversificar procedimentos e não
prolongar o tempo de internação. Se for comparar uma cirurgia via cateterismo
com um procedimento de peito aberto, a recuperação passaria de 48h para pelo
menos dez dias de hospitalização”, constata o especialista.
Caso Enzo
Hoje com onze anos — o aniversário foi comemorado no dia 29 de
novembro —, Enzo nasceu de parto normal, com 39 semanas, e sua má formação
cardíaca foi descoberta dois dias depois. Na época, não era obrigatória a
realização de ecografia morfológica. A mãe, Sandra Lisboa, lembra que foi
orientada a procurar um cardiologista e, desde então, o menino passou por
diversos procedimentos e intercorrências. Com três meses, foi submetido à
primeira cirurgia para a correção total da Tetralogia de Fallot. “Foram 60 dias
internado e 24 dias na UTI. Durante esse processo, o Enzo teve várias
intercorrências, entre elas uma parada cardíaca”, relembra.
Com um ano e três meses, ele passou por outra cirurgia para
recuperação parcial de uma estenose. Apesar de ficar pouco tempo hospitalizado,
um dos grampos junto ao peito (já que o órgão precisou ser aberto devido à
cirurgia) quebrou e o outro foi rejeitado pelo organismo. Com quatro anos
sofreu uma bradicardia e precisou colocar marcapasso. A correção de problemas
no coração através da valva de Edwards veio como um alívio para que Enzo não
precisasse mais passar por intervenções que exigissem a abertura da caixa
torácica, medida contraindicada pelos próprios médicos. “A recuperação foi
rápida e sem problemas”, comemora a mãe.
Caso João Guilherme
João Guilherme nasceu com a síndrome do tórax asfixiante,
caracterizada pela má formação das costelas e tórax muito estreito, gerando
problemas respiratórios. Ao longo da vida, ele passou por mais de 40 cirurgias,
que permitiram a ampliação da caixa torácica com costelas protéticas, feitas de
titânio. Para avançar no tratamento, no entanto, era necessário corrigir uma
cardiopatia, que tornava qualquer cirurgia altamente arriscada.
Para repor a válvula pulmonar — responsável por regular o fluxo
de sangue para os pulmões — e com a contraindicação de uma cirurgia de peito
aberto pelo risco, a opção foi por um implante de duas válvulas Melody nas
artérias pulmonares. O procedimento foi realizado há um ano, no Hospital
Moinhos de Vento, e contou com a participação do cardiologista Carlos Pedra, do
HCor, de São Paulo. Foi o primeiro deste tipo no Brasil e um dos únicos
registrados na literatura médica mundial.
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