22/07/2022
A água de boa qualidade é
como a saúde. Só percebemos o valor dela quando acaba. Problemas com
financiamentos, superlotação e déficit recorrente são fatores que colocam em
risco a qualidade e a história do Sistema Único de Saúde (SUS). Para se ter uma
ideia, enquanto 75% dos brasileiros são atendidos pelo sistema público, segundo
a Agência Nacional de Saúde, 54% de tudo que é pago em medicamentos,
atendimentos, exames e procedimentos saem dos bolsos de empresas ou famílias
que mantêm os hospitais. Se a saúde lhe parece cara, não queira saber o preço
da sua ausência. Para evitar isso, precisamos que público e privado trabalhem
juntos.
Mas um barco não vai para frente se cada um remar à sua própria
maneira. Mesmo que privado e público estejam interligados, falta o primeiro
estar mais atento às reais necessidades do outro. Enquanto hospitais
particulares estão mais focados no atendimento especializado a pacientes que
estão internados para cirurgias eletivas e exames mais complexos, os hospitais
públicos se destacam na atenção primária. E é nesse ponto que ambos podem unir
forças: por meio do cuidado com as pessoas, em vez de apenas tratar doenças ou
condições específicas.
O caminho para alcançar o equilíbrio não é fácil, mas ninguém
abre cadeados sem chaves. Então, muito provavelmente, a resposta esteja na
filantropia. Uma ferramenta eficaz e indispensável, que hoje representa 70% da
assistência de alta complexidade pelo SUS e tem mais de 3 milhões de pessoas
dependentes dela para ter acesso a atendimento, cirurgia e internação. Os dados
da Confederação das Santas Casas e Hospitais Filantrópicos (CMB) mostram que o
desafio imposto às instituições é grande. Principalmente quando o assunto é a
atuação dos hospitais na linha de frente da pandemia da Covid-19, período que impossibilitou
a realização de algumas das principais ações beneficentes de rotina dos
hospitais, e trouxe novos entraves para levantar recursos para a manutenção e
para a melhoria dos serviços.
Mas, assim como o rio, precisamos aprender a contornar os obstáculos.
Qualquer que seja a direção escolhida, a colaboração de todos os agentes de
ambos os sistemas, desde os usuários, profissionais de saúde e laboratórios
farmacêuticos, até os próprios gestores de hospitais, operadoras e membros dos
serviços, é de extrema importância. Afinal, cuidar da vida é um objetivo comum,
que demanda cooperação, interesse e envolvimento coletivo. O que poucos
entendem é que não precisamos escolher qual dos dois (privado ou público) é
melhor. Mas, sim, perceber que há pontos de intersecção e de aprendizado em
cada um.
O primeiro passo para garantir atenção digna está na qualidade e
segurança assistencial. Por isso, a acreditação hospitalar é tão necessária.
Já, se a sustentabilidade financeira não for conquistada, será inviável manter
o SUS nos próximos anos e, também, dar sequência ao atendimento por meio de
planos de saúde. No meio disso tudo não podemos esquecer de olhar para a
essência de cada paciente, seja qual for a condição financeira ou classe
social.
O que aconteceu com os hospitais durante a pandemia de Covid-19,
com falta de insumos, infraestrutura e até mesmo de profissionais capacitados,
foi uma demonstração do perigo que é ter um sistema sobrecarregado. Isso traz
aos gestores de hospitais a grande missão de tornar esse acesso à saúde perene
e sustentável para que a população brasileira usufrua de forma plena o direito
à saúde. Se evoluirmos para um modelo centrado no paciente, nas suas
necessidades, valorizando os desfechos que realmente importam para ele, fica
mais fácil conseguirmos alinhar as expectativas de todas as partes
interessadas. Um trabalho árduo e que, se não for realizado, colocará em xeque
os sistemas de saúde.
Precisamos aprender com os passos que foram dados para trás e
usar isso como estímulo para pensar em quantos passos serão dados para frente.
Se olharmos com atenção, veremos que podemos tirar proveito do melhor que os
dois mundos oferecem. Creio que, com pequenas atitudes, podemos construir
juntos um sistema de assistência à saúde melhor.
Além de aproximar os setores público e privado e suas
estruturas, é preciso concentrar esforços para melhorar as atuais políticas
públicas e prestar muita atenção às necessidades do paciente. Nessa relação, a
lei do retorno é praticamente imediata. A forma como lidamos com o problema
agora será o resultado que vamos colher no futuro. Portanto, precisamos de
mudanças urgentes na forma como os setores público e privado se relacionam, na
maneira de remuneração das instituições hospitalares e, também, na
sensibilização de todos em relação à importância dos hospitais filantrópicos.
Afinal de contas, saúde não tem preço. Mas tem custo.
Juliano Gasparetto é diretor-geral do Hospital Universitário Cajuru e Hospital Marcelino Champagnat
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