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sábado, 9 de outubro de 2021

A qualidade de vida e a saúde mental de mulheres após o diagnóstico de câncer de mama

 




Paula Benevenuto Hartmann

08 Oct. 2021


O termo “câncer de mama” pode ser entendido como uma expressão “guarda-chuva”, sob a qual designam-se diferentes formas de doenças malignas da mama. Este é o tipo de câncer mais incidente em mulheres no mundo, tendo sido estimados 2,3 milhões de novos casos no ano passado. No Brasil, o câncer de mama perde em incidência apenas para alguns tipos de tumores de pele (tipo não melanoma). É também esperado que o número de mulheres com a doença ou recuperadas dela aumente. Estudos sugerem que mulheres em tratamento para a doença possuem comprometimento da saúde mental e da qualidade de vida. Embora, uma parte deste grupo apresente recuperação cerca de 1 ano após o diagnóstico, outra parte irá manter essas alterações de forma prolongada. Neste mês de outubro, campanhas como o “Outubro Rosa”, buscam conscientizar sobre o câncer de mama.

 

Câncer de mama e saúde mental

No artigo Quality of life and mental health in breast cancer survivors compared with non-cancer controls: a study of patient-reported outcomes in the United Kingdom, publicado este ano no Journal of Cancer Survivorship, os autores pesquisaram a saúde mental e a qualidade de vida de mulheres que sobreviveram ao câncer pelo menos 1 ano após ao seu diagnóstico no Reino Unido.

Já se sabe que alguns fatores parecem estar ligados a uma pior qualidade de vida e pior saúde mental nesta população, como ter passado por quimioterapia, ter idade mais jovem ao diagnóstico, ter baixo status socioeconômico, apresentar sintomas nos membros superiores, linfedema ou fadiga persistente. Contudo, para estudar melhor as questões relativas à saúde mental (principalmente sintomas ansiosos e depressivos) e qualidade de vida dessas mulheres, os autores decidiram realizar um estudo transversal pareado.

A amostra de pacientes foi coletada nos serviços de atenção primária no Reino Unido, utilizando uma base de dados, e contavam com a participação dos centros de saúde e médicos que ali trabalhavam. Todas as mulheres deveriam ser adultas e acompanhadas no serviço público de saúde há pelo menos 2 anos. Elas foram alocadas, então, em 2 grupos: um de mulheres que eram seguidas no serviço público pelo menos 1 ano antes do diagnóstico da doença e que permaneceram sendo seguidas por pelo menos um ano após este diagnóstico e outro grupo de mulheres que não tinham história prévia de câncer (exceto de pele, tipo não melanoma), formando um grupo de controle. Foram revisados os prontuários das pacientes possivelmente elegíveis e, entre os meses de janeiro e outubro de 2019, a elas foram enviados os questionários por correio, já com as orientações para seu retorno após as respostas. As escalas enviadas avaliavam qualidade de vida, sintomas depressivos e ansiosos e dados sociodemográficos.

Saiba mais: USG adjuvante para detecção de câncer de mama entre mulheres com densidade mamária variável

Ao todo, 252 mulheres sem história de câncer e 356 sobreviventes da doença responderam e reenviaram os seus questionários. As mulheres do grupo controle tiveram uma média de idade de 65,5 anos, enquanto as sobreviventes de câncer eram, em média, um pouco mais novas, com 64,8 anos. A proporção de mulheres com um maior grau de escolaridade nos dois grupos foi semelhante (25%). Dentre as mulheres sobreviventes, o diagnóstico tinha ocorrido em média 8,1 anos antes, sendo que 54,4% tinham tumores localizados e 43,3%, doenças localmente invasivas. Ainda neste grupo, 99% foram tratadas com cirurgia — sendo 35% com mastectomia, 80% com radioterapia, 49% com hormonioterapia e 41% com quimioterapia.

Achados

Após a análise dos dados e o ajuste das análises estatísticas para diferentes variáveis de interesse, os autores perceberam que as mulheres sobreviventes de câncer de mama apresentavam mais sintomas de fadiga, disfunção sexual, problemas cognitivos e questões relacionadas à ansiedade do que aquelas do grupo controle. Os sintomas ansiosos encontrados ou estavam aumentados ou encontravam-se no limite para seu diagnóstico. Os riscos foram ainda maiores para as que apresentavam doença mais avançada ao diagnóstico ou que fizeram tratamento com quimioterapia.

Os fatores mais associados a uma pior qualidade de vida entre as mulheres sobreviventes foram:  tratamento com quimioterapia, doença mais avançada ao diagnóstico, idade mais jovem, encontrarem-se na pré-menopausa e ter um menor nível educacional. Observou-se também que mulheres mais jovens apresentaram um aumento de sintomatologia depressiva e ansiosa.

A literatura parece corroborar os achados encontrados, ou seja, que há um subgrupo de mulheres que sobreviveram ao câncer de mama e que terão um pior nível de qualidade de vida. Algumas fontes destacam que, em mulheres jovens, o fator mais determinante para piora da qualidade de vida foi a progressão da doença — o que não pôde ser bem avaliado neste trabalho, já que eram poucas as pacientes com doença ativa no momento da pesquisa. Os autores do presente estudo sugerem possíveis explicações para uma pior qualidade de vida entre mulheres jovens que sobreviveram ao câncer: preocupações que envolviam a fertilidade, os filhos pequenos e/ou questões relativas à imagem corporal. Também especulam que maiores pontuações em sentimentos positivos entre mulheres mais velhas — o que poderia ser compreendido como uma melhor qualidade de vida — poderiam ser efeito de um “crescimento pós-traumático” (post-traumatic growth). Neste caso, a experiência de um evento traumático permitiria às sobreviventes apreciarem melhor os momentos da vida.

Mensagem final

Estudos como estes são importantes por chamarem a atenção para o tema, estimularem mais pesquisas, trabalhos e até mudanças em termos de saúde pública. Segundo o artigo, 8 em cada 10 mulheres no Reino Unido com câncer de mama não foram avisadas de que poderia ocorrer um impacto de longo prazo sobre sua saúde mental. Além disso, 41% não receberam ajuda profissional para lidar com essas questões. Entretanto, sugere-se que a educação sobre este assunto deveria ser trabalhada com as pacientes o mais precocemente possível. Uma revisão de abordagens não farmacológicas com a intenção de melhorar a qualidade de vida dessas mulheres sugere que a prática de yoga e de outros exercícios físicos e o uso de psicoterapias, como mindfulness e terapia cognitivo-comportamental, são benéficas. Já no aspecto farmacológico, a equipe de saúde deveria discutir mais assuntos pertinentes, como questões relativas à sexualidade e seu funcionamento nesta fase.

Esta pesquisa possui vários méritos, mas a interpretação correta de seus resultados deve considerar os seguintes fatores: este trabalho, como muitos outros estudos transversais, obteve uma baixa taxa de resposta, não sendo possível excluir um viés de seleção; dentre os questionários que foram reenviados, nem todos foram completamente respondidos, tendo algumas perguntas permanecido sem resposta; não se pode descartar também a ocorrência de viés de informação; a presença de fatores confundidores também deve ser considerada; finalmente, é possível que algumas características da amostra dificultem a generalização de seus resultados.

Contudo, os resultados apontam que um subgrupo de mulheres sobreviventes do câncer de mama pode apresentar sintomas que interferem em sua qualidade de vida e na saúde mental. Isso é o suficiente para estimular que mais trabalhos e intervenções sejam feitos buscando pesquisar quais grupos de pacientes precisam de maior atenção e como direcionar este cuidado.





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