08 Oct. 2021
O termo “câncer de mama” pode ser entendido como uma
expressão “guarda-chuva”, sob a qual designam-se diferentes formas de doenças
malignas da mama. Este é o tipo de câncer mais incidente em mulheres no mundo,
tendo sido estimados 2,3 milhões de novos casos no ano passado. No Brasil, o
câncer de mama perde em incidência apenas para alguns tipos de tumores de pele
(tipo não melanoma). É também esperado que o número de mulheres com a doença ou
recuperadas dela aumente. Estudos sugerem que mulheres em tratamento para a
doença possuem comprometimento da saúde mental e da qualidade de vida. Embora,
uma parte deste grupo apresente recuperação cerca de 1 ano após o diagnóstico,
outra parte irá manter essas alterações de forma prolongada. Neste mês de
outubro, campanhas como o “Outubro Rosa”, buscam conscientizar sobre o câncer
de mama.
Câncer de mama e saúde mental
No artigo Quality of life and mental health
in breast cancer survivors compared with non-cancer controls: a study of
patient-reported outcomes in the United Kingdom, publicado este ano no Journal of Cancer Survivorship, os autores pesquisaram a saúde mental e a qualidade de vida de
mulheres que sobreviveram ao câncer pelo menos 1 ano após ao seu diagnóstico no
Reino Unido.
Já se sabe que alguns fatores parecem estar ligados a uma pior
qualidade de vida e pior saúde mental nesta população, como ter passado por
quimioterapia, ter idade mais jovem ao diagnóstico, ter baixo status
socioeconômico, apresentar sintomas nos membros superiores, linfedema ou fadiga
persistente. Contudo, para estudar melhor as questões relativas à saúde mental (principalmente sintomas
ansiosos e depressivos) e qualidade de vida dessas mulheres, os autores
decidiram realizar um estudo transversal pareado.
A amostra de pacientes foi coletada nos serviços de atenção
primária no Reino Unido, utilizando uma base de dados, e contavam com a
participação dos centros de saúde e médicos que ali trabalhavam. Todas as
mulheres deveriam ser adultas e acompanhadas no serviço público de saúde há pelo
menos 2 anos. Elas foram alocadas, então, em 2 grupos: um de mulheres que eram
seguidas no serviço público pelo menos 1 ano antes do diagnóstico da doença e
que permaneceram sendo seguidas por pelo menos um ano após este diagnóstico e
outro grupo de mulheres que não tinham história prévia de câncer (exceto de
pele, tipo não melanoma), formando um grupo de controle. Foram revisados os prontuários das
pacientes possivelmente elegíveis e, entre os meses de janeiro e outubro de
2019, a elas foram enviados os questionários por correio, já com as orientações
para seu retorno após as respostas. As escalas enviadas avaliavam qualidade de
vida, sintomas depressivos e ansiosos e dados sociodemográficos.
Ao todo, 252 mulheres sem história de câncer e 356 sobreviventes
da doença responderam e reenviaram os seus questionários. As mulheres do grupo
controle tiveram uma média de idade de 65,5 anos, enquanto as sobreviventes de
câncer eram, em média, um pouco mais novas, com 64,8 anos. A proporção de
mulheres com um maior grau de escolaridade nos dois grupos foi semelhante (25%). Dentre as mulheres sobreviventes, o diagnóstico tinha ocorrido
em média 8,1 anos antes, sendo que 54,4% tinham tumores localizados e 43,3%,
doenças localmente invasivas. Ainda neste grupo, 99% foram tratadas com
cirurgia — sendo 35% com mastectomia, 80% com radioterapia, 49% com
hormonioterapia e 41% com quimioterapia.
Achados
Após a análise dos dados e o ajuste das análises estatísticas para
diferentes variáveis de interesse, os autores perceberam que as mulheres
sobreviventes de câncer de mama apresentavam mais sintomas de fadiga, disfunção
sexual, problemas cognitivos e questões relacionadas à ansiedade do que
aquelas do grupo controle. Os sintomas ansiosos encontrados ou estavam
aumentados ou encontravam-se no limite para seu diagnóstico. Os riscos foram
ainda maiores para as que apresentavam doença mais avançada ao diagnóstico ou
que fizeram tratamento com quimioterapia.
Os fatores mais associados a uma pior qualidade de vida entre as
mulheres sobreviventes foram: tratamento com quimioterapia, doença mais
avançada ao diagnóstico, idade mais jovem, encontrarem-se na pré-menopausa e
ter um menor nível educacional. Observou-se também que mulheres mais jovens
apresentaram um aumento de sintomatologia depressiva e ansiosa.
A literatura parece corroborar os achados encontrados, ou seja,
que há um subgrupo de mulheres que sobreviveram ao câncer de mama e que terão
um pior nível de qualidade de vida. Algumas fontes destacam que, em mulheres
jovens, o fator mais determinante para piora da qualidade de vida foi a
progressão da doença — o que não pôde ser bem avaliado neste trabalho, já que
eram poucas as pacientes com doença ativa no momento da pesquisa. Os autores do presente estudo sugerem possíveis explicações para
uma pior qualidade de vida entre mulheres jovens que sobreviveram ao câncer:
preocupações que envolviam a fertilidade, os filhos pequenos e/ou questões
relativas à imagem corporal. Também especulam que maiores pontuações em
sentimentos positivos entre mulheres mais velhas — o que poderia ser compreendido
como uma melhor qualidade
de vida — poderiam ser efeito de um “crescimento pós-traumático” (post-traumatic growth). Neste caso, a experiência de
um evento traumático permitiria às sobreviventes apreciarem melhor os momentos
da vida.
Mensagem final
Estudos como estes são importantes por chamarem a atenção para o
tema, estimularem mais pesquisas, trabalhos e até mudanças em termos de saúde
pública. Segundo o artigo, 8 em cada 10 mulheres no Reino Unido com câncer de
mama não foram avisadas de que poderia ocorrer um impacto de longo prazo sobre
sua saúde mental. Além disso, 41% não receberam ajuda profissional para lidar
com essas questões. Entretanto, sugere-se que a educação sobre este assunto
deveria ser trabalhada com as pacientes o mais precocemente possível. Uma
revisão de abordagens não farmacológicas com a intenção de melhorar a qualidade
de vida dessas mulheres sugere que a prática de yoga e de outros exercícios
físicos e o uso de psicoterapias, como mindfulness e
terapia cognitivo-comportamental, são benéficas. Já no aspecto farmacológico, a
equipe de saúde deveria discutir mais assuntos pertinentes, como questões
relativas à sexualidade e seu funcionamento nesta fase.
Esta pesquisa possui vários méritos, mas a interpretação correta
de seus resultados deve considerar os seguintes fatores: este trabalho, como
muitos outros estudos transversais, obteve uma baixa taxa de resposta, não
sendo possível excluir um viés de seleção; dentre os questionários que foram reenviados,
nem todos foram completamente respondidos, tendo algumas perguntas permanecido
sem resposta; não se pode descartar também a ocorrência de viés de informação;
a presença de fatores confundidores também deve ser considerada; finalmente, é
possível que algumas características da amostra dificultem a generalização de
seus resultados.
Contudo, os resultados apontam que um subgrupo de mulheres
sobreviventes do câncer
de mama pode apresentar sintomas que interferem em sua qualidade de
vida e na saúde mental. Isso é o suficiente para estimular que mais trabalhos e
intervenções sejam feitos buscando pesquisar quais grupos de pacientes precisam
de maior atenção e como direcionar este cuidado.
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