Liberação de verba do governo federal ainda não regularizou a produção; A.C.Camargo Cancer Center e Hospital de Amor estão entre os que já suspenderam parte dos atendimentos
Hospitais brasileiros vão cancelar ou
adiar procedimentos por causa do desfalque
na produção de radiofármacos gerado por um corte de verba federal no Ipen (Instituto
de pesquisas Energéticas e Nucleares). A maior parte dos afetados são pacientes
que fazem tratamento
contra câncer.
No estado de São Paulo, segundo a Folha apurou, há pelo menos
dois centros de referência nos cuidados com a doença que tiveram de mudar suas
agendas, o A.C.Camargo Cancer Center, na capital paulista, e o Hospital de Amor,
em Barretos (SP).
A crise orçamentária que atinge o
instituto, órgão vinculado ao MCTI (Ministério da Ciência,
Tecnologia e Inovação) e à CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear), estava
prevista desde a terça-feira da semana passada, dia 14. Na data, foi enviado um
ofício informando que haveria a paralisação da produção dos medicamentos a
partir do dia 20.
Diante do cenário, o governo Jair
Bolsonaro (sem partido), por meio do Ministério da Economia, liberou
na quarta-feira (22) aproximadamente R$ 19 milhões para suprir
a demanda de hospitais e clínicas. Mesmo com essa medida, porém, as
instituições já passam por problemas para conciliar tratamentos e diagnósticos
nas próximas semanas.
Eduardo Lima, médico especialista em
medicina nuclear do A.C.Camargo Cancer Center, afirma que a instituição já
planeja suspender ou reduzir tratamentos e diagnósticos que utilizam
radiofármacos. “O fato [de o Ipen]
retomar as produções não é uma questão imediata e não vai resolver o problema
agora.”
No caso de tratamentos que usam esses
tipos de medicamentos, como o iodo radioativo, aplicado contra o câncer de
tireoide, o médico diz que a previsão é transcorrer as próximas duas semanas
com os procedimentos completamente suspensos —até que as entregas do Ipen se
normalizem por meio da verba emergencial anunciada.
Já em relação a diagnósticos, estão
prejudicados exames como as cintilografias, que são feitas com um material
radioativo chamado tecnécio. No A.C.Camargo, elas serão reduzidas na próxima
semana. A volta ao padrão normal só deve ocorrer a partir de 4 de outubro.
“Nós estamos priorizando os pacientes
que precisam de diagnósticos necessários para cirurgias de mama e do melanoma,
porque elas precisam de procedimentos da medicina nuclear antes de serem
executadas”, afirma Lima.
Outra instituição que passa por
dificuldades pela falta dos produtos do Ipen é o Hospital de Amor, no interior
paulista. Por semana, o local atende em média 300 pacientes fixos que precisam
fazer diagnósticos com radiofármacos. Além desses, existem enfermos de outros
centros que são encaminhados para esse tipo atendimento na instituição.
Segundo Marcelo José Santos,
vice-coordenador do departamento de medicina nuclear do hospital, até agora a
distribuição foi suficiente para atender toda a demanda da instituição, mas, a
partir da próxima semana, é estimado que já não contará com nenhum material
radioativo para diagnóstico ou tratamento dos pacientes.
No caso das pessoas com câncer de
tireoide, o médico afirma que “o paciente, para fazer esse tratamento, precisa
de um preparo de um mês”. “Os pacientes que receberiam esse medicamento na
semana que vem já estão há um mês em preparação, mas não poderão receber”,
lamenta.
Em relação à compra de radiofármacos
pela iniciativa privada, Santos afirma que não é uma saída viável,
principalmente por causa do preço, que é basicamente o dobro do valor praticado
pelo Ipen, mas também porque poucas empresas atendem esse mercado no Brasil.
Elas não conseguem suprir toda a demanda do país, ele diz.
Lima também indica que a importação
não é uma possibilidade quando se leva em consideração a urgência da falta de
medicamentos, uma vez que, para fazer a transação, é necessário se cadastrar em
uma lista de espera junto aos produtores internacionais para adquirir os
materiais.
A Folha teve
acesso a dois ofícios do Ipen enviados a algumas instituições de saúde. Nos
documentos, o órgão afirma que a produção de iodo-131 e lutécio-177, ambos para
tratamento de doenças, será feita em 11 de outubro. Enquanto isso, os geradores
de tecnécio serão fornecidos a partir do dia 4 do próximo mês.
Além disso, a Folha apurou que o instituto
terá condições de produzir novos radiofármacos somente até meados da segunda
quinzena de outubro com o aporte emergencial de R$ 19 milhões. Caso um novo
orçamento não seja liberado, a produção poderá parar outra vez, trazendo novos
problemas para centros de saúde do país.
Contatado para comentar essas novas
informações, o Ipen não respondeu até a conclusão desta reportagem. Na última
terça-feira (21), o órgão já havia indicado à Folha que
seria necessário entrar em contato com o MCTI para obter posicionamentos.
O ministério, no entanto, também não
respondeu aos questionamentos sobre a retomada na produção.
Na quarta-feira (22), a pasta
divulgou uma nota afirmando que a verba de R$ 19 milhões tem caráter
extraordinário. Segundo escrevem, é necessária a aprovação do projeto de lei n°
16/2021 para liberar outro orçamento, no valor de R$ 34 milhões, para manter a
produção dos radiofármacos.
O ministério ainda afirma nesta mesma
nota que será necessária a aprovação de outro projeto de lei com liberação de
R$ 55 milhões para que o Ipen tenha sua produção funcionando de forma plena até
o final do ano.
Para Santos, a única solução viável
seria o instituto voltar a ter a verba integral para custear toda a produção
sem interrupções. Caso contrário, o Hospital de Amor, assim como outros pelo
Brasil, precisará encerrar procedimentos envolvendo radiofármacos.
“Não dar para ficar nesse
‘pingue-pongue’, que uma hora recebe [verba], produz [o material] e depois para
[as atividades]”, conclui.
Fonte: Folha de S. Paulo –
25/09/2021
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