26/10/2021
Pesquisadores do Instituto
de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) determinaram a
estrutura e a função de duas enzimas envolvidas na produção de gentamicinas
pela bactéria de solo Micromonospora echinospora,
responsáveis por tornar esse antibiótico menos suscetível à resistência das
bactérias. O conhecimento produzido pelo grupo pode servir de base para
modificar outros antibióticos da mesma classe, os aminoglicosídeos, tornando-os
capazes de contornar a resistência desenvolvida pelas bactérias e diminuindo a
sua toxicidade, o que permitiria um uso mais abrangente desses fármacos. O
trabalho, financiado pela FAPESP e que fez parte da tese de doutorado de
Priscila dos Santos Bury, foi publicado na revista científica ACS Catalysis.
A gentamicina é frequentemente utilizada na forma de cremes e
pomadas para tratamento de infecções tópicas, mas não costuma ser aplicada para
tratar infecções internas por ser tóxica para o ouvido e para os rins. É
considerada um antibiótico injetável de último recurso, para casos de infecções
muito resistentes. “Os aminoglicosídeos foram descobertos na década de 1950 e
tratam diversas infecções bacterianas sérias, como a tuberculose. Por serem
moléculas mais antigas e já terem sido amplamente utilizadas, as bactérias já
adquiriram resistência a muitas delas”, explica o professor Marcio Vinícius
Bertacine Dias, coordenador do estudo e responsável pelo Laboratório de
Biologia Estrutural Aplicada do ICB.
Feita em colaboração com cientistas da Universidade de Wuhan, na
China, e da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, a pesquisa focou em
identificar quais eram as enzimas que realizam as últimas modificações na
biossíntese das gentamicinas, tornando-as capazes de driblar a resistência das
bactérias e manter a sua eficácia – característica que é única dentro de sua
classe. O estudo identificou a estrutura e função das enzimas GenB3 e GenB4,
que são muito similares, mas catalisam reações totalmente diferentes, algo raro
dentro da bioquímica.
Antibióticos mais eficazes
– A partir dessa descoberta, é possível pensar em duas
estratégias para aprimorar os antibióticos futuramente: através da biocatálise,
utilizando as enzimas para tentar modificar os compostos já existentes in
vitro, ou da biologia sintética, introduzindo os genes responsáveis
pela expressão dessas enzimas em outros microrganismos, como bactérias e
leveduras, para produzir novas estruturas de antimicrobianos. “Já existe uma
tendência na indústria farmacêutica para tentar modificar antibióticos por
biocatálise ou biologia sintética e torná-los menos sensíveis à resistência.
Com esses estudos, será possível selecionar as características boas de cada
molécula e produzir uma molécula que seja menos tóxica e mais eficaz”.
A necessidade de desenvolver novos antibióticos ou adaptar os
fármacos atuais é cada vez mais urgente, já que as bactérias evoluem em uma
velocidade maior que a ciência. “As bactérias criam resistência aos
antibióticos em um período de dois a três anos, enquanto a produção de novas
moléculas pode durar até 20 anos. É preciso investimento para acelerar estudos
como os nossos e desenvolver fármacos mais eficazes, se não os antibióticos
podem se tornar obsoletos. E assim voltaríamos a ter mortes por infecções que
hoje são facilmente tratadas”, ressalta o pesquisador.
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