21/10/2021
Mesmo que os avanços
tecnológicos tenham sido acelerados nos últimos anos, principalmente durante a
pandemia de Covid-19, especialistas presentes no Congresso Nacional de
Hospitais Privados (Conahp) acreditam que ainda há um longo caminho a ser
percorrido para a verdadeira transformação digital da Saúde.
Durante a palestra ‘Como
acelerar a transformação digital e o uso de inteligência artificial em saúde no
Brasil’, que contou com Antônio Marttos, cirurgião de trauma e atendimento na
Universidade de Miami, Guilherme Salgado, CEO do grupo 3778, Miguel Lago,
diretor-executivo do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e
Priscila Cruzatti, gerente de Inovação e Saúde Digital do Hospital Alemão
Oswaldo Cruz, moderada por Leandro Reis, vice-presidente médico e de serviços
externos da Rede D’Or São Luiz, os participantes defenderam que apenas quando o
paciente for colocado no centro do cuidado é que será possível trazer
benefícios à assistência e à gestão da saúde pública e privada.
“Transformação digital não
significa digitalizar processos que já existem, mas oferecer novas formas de se
fazer, a partir do momento em que o mundo digital torna possível realizar as
coisas de modos diferentes, como aconteceu com os bancos”, explica Priscila.
Porém, para que o mesmo ocorra na saúde, ainda há diversas barreiras a serem
superadas. “Primeiro, existe o desafio do comprometimento, tanto da alta
liderança quanto dos profissionais de saúde. Depois, há uma preocupação em
relação à qualidade dos dados coletados e à definição do escopo para uso da
inteligência artificial. Por fim, ainda há a questão da privacidade e da
segurança da informação, que impacta também no compartilhamento dos dados”,
esclarece Salgado.
Quando se trata do Sistema
Único de Saúde (SUS), Lago acredita que “a transformação digital é uma
necessidade básica para a sobrevivência do sistema público. Diante do
subfinanciamento do SUS, seria fundamental que ele se tornasse mais eficiente.
Existem bons indícios para que isso aconteça, como o prontuário eletrônico
unificado”, revela. Porém, de acordo com Lago, o prontuário eletrônico do
cidadão ainda é muito limitado em termos de interoperabilidade do próprio
sistema e com outros. “Além disso, os dados não são centrados no paciente. Para
que consiga ganhar em eficiência e qualidade, precisamos ter processos que
focam no paciente”, completa.
Quando superadas as
adversidades, Marttos acredita que as inovações trazem diversos benefícios para
as instituições, os médicos e os pacientes. “Vejo a tecnologia como uma forma
de dar mais suporte aos profissionais de saúde, ajudar a prevenir erros, a
detectar problemas precocemente e a ampliar o acesso aos pacientes, inclusive
monitorando os casos crônicos em casa, intervindo quando necessário, e evitando
que precise ir ao pronto-socorro. Vejo também como uma ferramenta que ajuda as
instituições a terem controle de qualidade, a saber onde precisam atuar,
reduzindo casos de infecções hospitalares, por exemplo”, opina.
Setor de saúde enfrenta
dificuldade em converter dados em soluções
Com a aceleração da
digitalização na Saúde, o volume de dados coletados cresceu exponencialmente.
Ainda que as informações sejam fundamentais para as predições e investimentos
em cuidados com a população, as empresas privadas e o governo enfrentam
dificuldades em transformar o conhecimento em soluções. Na palestra ‘A
importância da gestão da saúde baseada em dados e o desafio para construir uma base
de informações qualificada e integrada’, do Congresso Nacional de Hospitais
Privados (Conahp), Vikram Kapur, sócio da Bain & Company, Rudi Rocha,
professor associado da FGV EAESP e diretor de pesquisa do IEPS e Mohamed
Parrini, CEO do Hospital Moinhos de Vento analisaram os cenários no Brasil e na
Ásia e encontraram dificuldades semelhantes nas regiões.
Segundo Kapur, há desafios
para coletar, compartilhar e traduzir dados, como a relutância das empresas em
dividir informações, a falta de confiança em dados externos, o alto custo para
prestadores reunirem informações internamente e as leis de proteção de dados.
Para Rocha, somado a isso, “existe um gargalo de recursos humanos muito sério
no Brasil. Uma coisa é gerar, armazenar e integrar base de dados, outra coisa é
converter em conhecimento, em ação e solução. Não vejo o país formando
profissionais suficientes para o mercado”, alerta.
Ainda que haja incerteza
sobre a capacitação de profissionais, Rocha acredita que as inovações que
surgem baseadas em dados e algoritmos podem gerar ganhos de eficiência para
quem estiver bem-posicionado. “Nós temos muita capacidade instalada, sistemas
de informação impressionantes em perspectivas internacionais, como DATASUS, mas
ainda muito fragmentados entre os setores público e privado e muito deficientes
de integração”, analisa.
Kapur ressalta, entretanto,
que “sistemas complexos e separados fazem com que a jornada do paciente não
seja determinada, o que leva a uma divisão limitada de incentivos econômicos e
a uma baixa integração clínica. Consequentemente, a experiência do paciente é
pobre, com pouca oportunidade de caminhar em direção ao modelo que o coloca no
centro do cuidado”, explica.
O resultado vai na
contramão da expectativa do usuário. De acordo com uma pesquisa apresentada por
Kapur, um novo tipo de consumidor está emergindo, nos últimos 3-5 anos. Agora,
o paciente está interessado em manter os cuidados com a saúde, espera ter
conveniência no atendimento e realiza pesquisas online, para entender
seus sintomas e tratamento. Além disso, também espera um aumento no uso de
ferramentas digitais, mas quer que seja de modo unificado. “Cerca de 85% dos
pacientes gostariam de ter um ponto único para gestão da saúde do início ao
fim. Os usuários querem mais integração e querem navegar sozinhos pelas
ferramentas. Mesmo com o aumento da digitalização, 2/3 ainda querem ter
interação física com médicos, não querem ficar totalmente em ambiente online“, ressalta.
Desafios estruturais,
conjunturais e comportamentais estão no caminho da gestão da saúde da população
Custos que crescem a cada
ano, um sistema que necessita de mudanças e investimentos, beneficiários que
não têm tratamento preventivo. O retrato atual do sistema de saúde brasileiro
não é o ideal e discussões sobre o tema podem trazer soluções no cenário atual
de incertezas. “Saúde é uma batalha que temos que ganhar”, disse a professora
titular da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Ana Maria Malik, que foi moderadora da
palestra ‘Os desafios da gestão de saúde populacional’, realizada no Congresso
Nacional de Hospitais Privados (Conahp). A mesa, que também contou com Georgia
Antony, especialista em Desenvolvimento Industrial do SESI, João Alceu,
presidente da FenaSaúde e Martha Oliveira, diretora-executiva do Laços Saúde e
Designing Saúde, colocou em discussão os complexos desafios enfrentados pelo
brasileiro no acesso a saúde.
O presidente da FenaSaúde
elegeu um ranking dos principais problemas enfrentados pela população
brasileira no quesito saúde. “Contextualizo em três grandes grupos. O primeiro
é das questões estruturais, falta de saneamento básico, água potável, energia e
gás, educação de qualidade, habitação e desemprego. Depois, temos os desafios
conjunturais, como a falta de informatização do SUS e a padronização dos prontuários
eletrônicos. Por último, os desafios comportamentais, que são muito
complicados, como o sedentarismo, tabagismo, abuso de álcool e hábitos
alimentares dos beneficiários”, diz José Alceu.
Entre o sistema e o
beneficiado, há também as empresas que arcam com muitos desses custos. Segundo
dados apresentados por Georgia Antony, no Brasil, 56% do gasto com saúde vem de
empresas privadas, isto é, com planos de saúde para seus funcionários e
dependentes. “Quase 7 em cada 10 brasileiros têm plano de saúde por causa da
empresa na qual trabalha”, revela. E esse gasto só aumenta, segundo a
especialista, desde 2017 ele representa até 5 vezes o valor da inflação. Ela
afirma ainda que, no Brasil, é perfeitamente possível que uma empresa que
fabrique pneu gaste mais com plano de saúde de funcionários do que com
borracha, por exemplo. Em concordância com o José Alceu, uma das prioridades
apontadas pela especialista é a necessidade de informação.
Para Martha Oliveira,
diretora-executiva do Laços Saúde e Designing Saúde, nós estamos passando por
um processo de transição, que já deveríamos ter passado. “A batalha é que essa
transição ocorra de forma melhor e progressiva. Dentro da saúde suplementar se
eu pudesse hoje mudar uma única coisa, faria a coordenação de cuidado. Não
fizemos transição do sistema de saúde, ele é exatamente o mesmo da década de
60, então formamos as pessoas da mesma forma, cuidamos da mesma forma. O que
vem aí é um monte de tecnologia que a gente ainda não se apropriou, mas que
fará uma quebra nisso, estamos falando de não cuidar da doença, mas cuidar do
indivíduo”, afirma.
Os palestrantes concordaram
que é preciso começar por soluções simples e que podem ter resultados grandes,
como coordenar o cuidado nos atendimentos feitos no Brasil e estimular vínculos
entre médicos e pacientes. Uma outra solução proposta foi a organização da
entrada e saída de dados de forma eficiente em um sistema robusto de saúde no
qual os envolvidos em cada parte do tratamento possam ter acesso.
Informações e inscrições: conahp.org.br/2021
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